terça-feira, janeiro 30, 2007

O medo


«Em certa ocasião, um leão dirigiu-se a um lago de águas espelhadas para acalmar a sua sede. Ao aproximar-se do mesmo, viu o seu rosto reflectido e pensou: “Bom, o lago deve pertencer a este leão. Tenho que ter muito cuidado com ele.” Assustado afastou-se da água. Mas tinha tanta sede que, passado um bocado, regressou. E lá estava outra vez o leão. O que fazer? A sede asfixiava-o e não havia outro lago ali perto. Retrocedeu. Minutos depois, voltou a tentar. Ao ver o leão, abriu a boca e franziu o focinho de forma ameaçadora, mas ao ver que o outro leão fazia a mesma coisa, sentiu pânico e fugiu a correr. Mas tinha tanta sede! Fez várias tentativas, mas fugia sempre aterrorizado. No entanto, como a sede era cada vez mais intensa, tomou finalmente a decisão de beber água do lago acontecesse o que acontecesse. Assim fez e, a meter a cabeça na água, o leão desapareceu.»



PARABÉNS Sr. Dr. HOT SAUCE :P

terça-feira, janeiro 16, 2007

À margem de se saber se a vida tem ou não um sentido último, o sentido, propósito e significado da existência é o que cada um sabe dar-lhe a cada momento. Olhamos para tão longe que não vemos o que temos ao lado. Cada instante conta e podemos enchê-lo de plenitude, e podemos até aprender a elevar o rotineiro ao plano do sublime. Visto que todos fazemos parte deste mistério prodigioso e por vezes, é certo, pavoroso, que é o da existência, há que dar valor a cada momento para encontrar o seu próprio peso específico e convertê-lo num instrumento para a sua concretização.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

O Morcego

Era uma vez um morcego que procurava a luz e a sabedoria. Sonhava em fundir-se com o Sol, que era para ele o símbolo da luz perfeita. Sabia que nunca poderia ver os seus raios, mas que se podia fundir com ele. Começou a fazer tentativas, mas após algumas horas de voo ascendente, extenuava-se e perdia o espaço conquistado. Vendo os seus diligentes esforços, um eremita, com a sua capacidade clarividente, disse-lhe:

– Mesmo que viajasses mil anos, animal insensato, não conseguirias alcançar o Sol. O que pretendes é tão absurdo como uma formiga querer chegar à Lua. O melhor que podes fazer é desistir da tua loucura.

Mas o morcego, ainda que achasse as palavras do eremita razoáveis, convenceu-se de que ninguém o faria desistir do seu propósito. E durante anos, cada vez mais velho e cansado, continuou a tentar sem trégua. Voara tanto que, um dia, se perguntou:

«Não terei eu voado tanto que deixei o Sol para trás?»

Mas eis que um arrogante e vaidoso pássaro o ouviu e se apressou a responder-lhe:

– És o animal mais estúpido e ridículo que alguma vez conheci, além de cego! Não vais a lado nenhum, porque não fazes mais nada senão voar em círculos e não avanças um único centímetro em todo o dia. Eu, que vejo muito bem, posso ir até ao Sol quando quiser. Mas tu, para mais, estás esgotado, desmotivado. Esquece as tuas loucuras.

– É surpreendente – replicou o morcego – que eu não tenha olhos para ver o exterior e tu, ao que parece, possas ver o interior das criaturas com os teus. És mesmo sortudo!

E continua a voar, a voar sem cessar, presa de um sonho inquebrantável, com uma perseverança exemplar. E foi em busca dessa tarefa tão árdua que, um dia, o seu pequeno coração deixou de bater. Mas enquanto o seu corpo se precipitava no espaço, um raio de Sol atingiu-o e levou-o para o seu seio, fundindo o seu pequeno corpo com o núcleo do astro. O pássaro arrogante, por seu lado, ainda está vivo e continua a voar, mas de costas viradas para o Sol. E embora tenha vista, cada dia está mais longe do disco que ilumina tudo o que está vivo.