Mas as palavras são pedras

Tímido (do Lat. Timidu), adj. que tem timidez; acanhado; receoso; medroso; (fig.) fraco; débil; s.m. indivíduo sem confiança em si próprio, retraído, acanhado.

Nunca fui de grandes falas. Isso valeu-me o rótulo de tímida. Mas a esta altura do campeonato posso dizer que o meu mau feitio já ofuscou a minha suposta timidez. Passei de mosca morta a sacana para não dizer pior. Ou “reservada” como dizem os mais simpáticos. Ah as vantagens de ser adulto! Bom, aquela descrição de tímida certamente não se enquadra no meu ser. Sou oposto. Sou prática e do mais directa que pode haver, orgulhosa e teimosa também, juntando todos os ingredientes eclode o meu mau feitio!
Não falo muito, é certo. Mas não é por vergonha. Falar é só para coisas comezinhas e sem importância. Não gosto. Não quero. Falar é uma perda de tempo.
Já Pessoa o sabia, que é impossível transmitir aos outros o que sentíamos… os sentimentos perdem-se nas palavras.
Cada vez que falo arrependo-me. Sinto-me a maior mentirosa do mundo. Não era nada daquilo que eu queria dizer. Nunca digo aquilo que penso e muito menos aquilo que sinto. Digo algo aproximado… ou não.
E as pessoas… Bom, 95% nem sequer me ouve, tenho a certeza; e os 5% que tentam nunca vão entender o que realmente estou a dizer. Por isso, evito falar. Para não ser falaz, nem vulgar, porque ninguém pode pensar ou sentir aquilo que eu penso e sinto. Há tantas maneiras de falar sem o fazer. Só que é preciso estar com atenção, ver o que os outros não vêem e ouvir o que o que os outros não ouvem. É preciso querer, querer mesmo.
Além disso, qual é o interesse de falar e dizer o que não tenciono dizer para quem me ouve sem me perceber ou sequer tentar? Para isso fico calada.
Uma mentira só existe se a proferirmos. As coisas só existem se falarmos nelas. Então fico calada, para não mentir, para não ser mal interpretada, para não me arrepender. Só falo de certezas: o tempo, a universidade, os exames. Não tenho opinião alguma sobre coisa nenhuma.
E aquilo que é realmente importante guardo-o para mim para o sentir com toda a intensidade; só existe em mim. Nem com toda a compreensão e boa vontade do mundo poderia transpô-lo para palavras. É por isso que acho que muitas coisas são uma perda de tempo. Para quê falar quando podemos sentir?

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse combóio de corda
Que se chama coração

Presença, nº36, Novembro de l932